Você tem dado tempo ao tempo?
- Ana Luísa Vahl Dias
- 18 de jul. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 19 de jul. de 2024
Nenhum de Nós deixou claro que o tempo engana aqueles que pensam que sabem demais, os que juram que pensam e também os que juram sem saber. Mário Quintana eternizou, num poema-atemporal, sua percepção de que, quanto mais tentamos preencher o tempo e torná-lo palpável e produtivo, mais o tempo escorre das nossas mãos e torna-se tarde demais para resgatá-lo.

Tempo substantivo masc.
duração relativa das coisas que cria no ser humano a ideia de presente, passado e futuro; período contínuo no qual os eventos se sucedem. "só o t. o fará esquecer o grande amor"
determinado período considerado em relação aos acontecimentos nele ocorridos; época. "o t. das grandes descobertas"
O tempo é dual. Geralmente passa despercebido e, quando permite o vislumbre da sua existência e poder, torna-se temido por nós ao invés de celebrado.
Os Maias viviam o tempo de maneira circular, assim como a natureza que possui padrões que se repetem. A semente cai na terra, floresce, vira planta, dá flores, frutos e sementes, que caem na terra. O sol vai e volta, todos os dias. A lua segue 4 ciclos perfeitos a cada 28 dias. E, assim como na natureza, para os Maias, os acontecimentos da vida humana também se repetem em ciclos: de ensinar e aprender, de contrair e expandir, de chegar e de partir.
Para algumas tribos indígenas do Brasil, o futuro nem sequer existe, é uma mera esperança, um desejo. O passado é base para o aprendizado, é reverenciado, ensina a viver o presente. E o presente é a única coisa que há; é celebrado; é gratidão.
Para nós, civilização ocidental moderna, o tempo é sempre insuficiente: o passado não importa, o presente passa despercebido e o futuro é o único motivador diário. Somos a civilização da ansiedade e da angústia de viver algo que talvez nunca chegue. Nós acordamos pensando no trabalho, nós trabalhamos pensando no descanso e nós nunca descansamos verdadeiramente; sempre há algo perturbando nossos pensamentos.
O tempo se tornou um paradoxo constante.
Somos “aqueles que perdem tempo tentando ganhar tempo”. Estamos tão focados em construir um futuro ou remoer um passado que, no fim, não vivemos o único tempo que realmente é nosso. O agora é ignorado por medos do passado que nublam a realidade ou por ansiedades de um futuro que nem sabemos se chegará.
Quanto tempo do tempo você se percebe no presente?
Ao parar e respirar profundamente de forma consciente, é possível sentir o ar entrar, percorrer o caminho até os pulmões e alimentar o corpo todo através do sangue nas veias. Se houver consciência plena, é possível perceber ainda mais: o espaço-tempo.
A percepção do espaço-tempo é mágica, assim como o próprio tempo no espaço. Se o tempo é infinito, por definição o universo também é. Para Aristóteles, a única opção era a infinitude nas duas direções – o Universo sempre existiu e sempre existirá, logo, o tempo flui uniformemente. Passado e futuro, independentes entre si, podem ser infinitamente extensos; podem ter um ponto de partida ou de chegada; ou podem se encontrar ciclicamente.
Se cada ínfimo ponto no tempo é infinito, o agora também o é e deveríamos perceber a infinitude da vida aqui, no presente. Infelizmente, não percebemos.
Para que fosse possível sobreviver, foi preciso construir estratégias que levassem os seres humanos do ponto A ao ponto B da forma mais previsível e menos arriscada possível. Para que essa previsibilidade fosse simplificada e ocorresse com o menor gasto de energia, escolhemos a distância mais curta entre dois pontos: uma linha reta. Começamos a condicionar nosso cérebro a experienciar a vida a partir dessa linha e, por consequência, o tempo também começou a ser vivido de maneira linear por fazer parte da equação: força x distância x tempo = movimento.
Toda a vida humana, desde então, foi baseada no menor esforço entre A e B. Nosso condicionamento nos leva a buscar uma diminuição desse esforço constantemente, quebrando a única porta para a conexão com a mágica do universo enquanto seres humanos: o tempo.
Em seu ínfimo, a ansiedade é uma desconexão com o agora. O cerébro projeta questões do passado ou do presente de maneiras tão realistas que entra em alerta, como se estivesse em uma situação de perigo. Não ironicamente, o tratamento mais eficaz contra a ansiedade é a percepção do agora ou, em outras palavras, com o tempo verdadeiro: o presente.
A ansiedade é uma resposta à desconexão com o agora e só demonstra que a sociedade ocidental moderna é incapaz de viver a singularidade do tempo e, por consequência, da vida. De maneira mais singular, pode-se dizer que somos incapazes de perceber com clareza nossa própria existência.
Temos medo da morte, da fome, do desconforto, do desafio, de sermos esquecidos ou de esquecermos aqueles que nos foram importantes. Todos esses medos que aparentam ser “protetores” do nosso existir na verdade só nos aproximam da morte ao nos desconectar do agora; a morte real é simplesmente a desconexão consigo. O tempo é infinito no agora e não há nada mais libertador do que isso.
O padecer do corpo é apenas parte do ciclo e não o fim iminente.
O que você quer realmente fazer com o seu infinito?
…
Notas: Nenhum de Nós é uma banda gaúcha responsável pela composição citada chamada “Sobre o Tempo”, de 1990.
Mario Quintana é poeta, jornalista e tradutor brasileiro e viveu de 1906 a 1994. O poema citado intitula-se “O Tempo” e foi escrito em 1981.
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