A gente precisa mesmo descobrir pra onde ir?
- Ana Luísa Vahl Dias
- 20 de jun. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 19 de jul. de 2024
já fui, já voltei
e, por hora, não sei
de onde vim e pra onde vou
mas, em mim, eu estou
e isso me basta
por hora e,
quem sabe, agora
de volta pra mim
no fim, eu seja eu
sem lar, sem breu
só eu em mim
será que pode ser assim?
(pelo menos um pouco)
Quando a gente começa a atingir um certo grau de espiritualização, a existência nesse mundo caótico parece ser cada vez mais sem sentido, nos moldes como a experimentamos. Tirar um tempo para não fazer nada, não saber para onde ir, não ter objetivos claros e definidos, parece pecado. Se não estamos buscando conquistar algo, estamos - e nos sentimos - errados. Nem poesia a gente lê mais.

Há quem diga que a poesia se perdeu e que ninguém mais lê livros de poesia. Não estranhei essa fala quando a ouvi porque, de fato, quem é o santo que, além de despender tempo para ler, vai se esforçar para se conectar com palavras soltas tendo, ainda, que encontrar nelas significado para si, visto que poesia é isso?
Bem melhor ler um livro técnico que te ajuda a construir mindset do que ler um aglomerado de palavras que, para quem as escreveu, significou algo que, talvez, nunca signifique igual para quem as leu. Quem perde tempo e esforço desse jeito para ler poesia?
É engraçada essa percepção de “perda de tempo”, afinal, de certa forma, a poesia é um mundo inteiro e pode te levar para lugares únicos dentro de si. Ela permite infinitas interpretações e distorções de acordo com as suas experiências de vida, percepções e também seu nível sensível-criativo. Ler poesia é um ato de coragem feito por quem não tem medo de si e dos novos lugares internos que a poesia é capaz de nos apresentar.
Assim como ler poesia pode abrir infinitas possibilidades sobre si e sobre o mundo, nos tirando do conforto e nos jogando num mar tortuoso de ideias, os caminhos da vida e o livre-arbítrio também nos tiram do centro. Que sentido há em não saber para onde ir? Você não conhece a si mesmo, afinal?
No fim, nós nunca sabemos quem somos. Tivemos contato com o que fomos e o que seremos ainda precisamos descobrir, no decorrer da caminhada. O que estamos, neste exato momento, é apenas um aglomerado das reações que temos ao que está acontecendo à nossa volta.
E é neste ponto que nossa maior aventura se torna uma poesia profunda no desconforto da nossa existência.
Esses momentos tortuosos costumam não ter direção, tiram-nos do controle, e é esse o objetivo deles. Aqui se instaura a possibilidade de se perguntar: será que eu escolhi o que escolhi ou apenas absorvi o que surgiu, sem muita consciência?
Esse estado de consciência se dá às vezes por um acontecimento traumático, às vezes pela falta de movimento, às vezes pela falta de perspectivas, mas ele sempre nos conecta a um sentimento de não-pertencimento à nossa própria história. A sensação é de estar com água até a barriga, sentindo-se pressionado, mas sem ter a necessidade de sair. A água não está fria nem quente; não é confortável, mas não há desconforto. É um simples estado de limbo.
Geralmente, vivendo esse momento, percebe-se várias opções de caminho, mas nenhuma delas é atrativa o suficiente para se sobressair, assim como nenhuma delas é tão ruim a ponto de forçar um movimento. Neste ponto, parece que nossa energia se esgota e não conseguimos mais encontrar motivação para seguir em frente.
Ficar parado parece a melhor opção, por hora.
Espiritualmente, esse momento tende a prenunciar uma grande transformação, interna ou externa. Os dias parecem iguais e é difícil aguardar algo que se sente, mas que não se sabe a forma que tem e o tempo em que ocorrerá, exatamente.
Aprendemos muitas coisas importantes durante um ciclo e, no final dele, esse momento de limbo acontece para que seja possível canalizar os últimos conhecimentos e finalizar os últimos ajustes a fim de se preparar, de estar pronto, para quando o novo ciclo chegar. Nem sempre é possível perceber essas nuances do momento vivendo no mundo em que vivemos; não nos permitimos perceber a sutileza dos movimentos e dos sentimentos do agora porque estamos imersos nas dores do passado não tratadas e nas ansiedades de um futuro incerto. Não há tempo para isso.
O mais interessante é que esse momento de limbo é natural à vida. Não saber para onde ir também é um movimento, só que interno. Nenhum caminho é certeiro como o que é vendido quando começamos a viver a vida de fato. Os caminhos se desenham conforme são caminhados e não existe certo e errado; em todos eles a vida acontece.
É possível que ninguém saiba ao certo para onde ir. Mas, se houver conexão com a poesia da vida, com o que de mais profundo existe dentro da gente, certamente o caminho construído terá muito mais verdade; terá muito mais da nossa essência a cada passo.
Nós atraímos aquilo que emanamos e, para caminhar construindo um caminho bonito de forma consciente, é necessário emanar de forma consciente também e estar consciente é estar presente no que se sente agora, neste instante.
Talvez a gente só não possa saber para onde ir para não perder nenhum pedacinho da possível evolução que o ego pode vir a nos tirar; talvez, não saber seja o tempero certo do existir que garante uma vida imparcial e aberta à evolução real do ser.
Por fim, esse texto - muito mais poético do que qualquer outra coisa - abre-se para interpretação e suplica para que não haja apenas uma percepção do que se quis dizer, afinal, sempre pode-se dizer muitas coisas com as mesmas palavras. Esse é um texto contextual que pode e deve ser redefinido através da sutileza e da subjetividade de cada um.
contudo, sou tudo
e nada ao mesmo tempo
porque tempo
é uma percepção
e não
um fato sacramentado
é fato
é inconcreto
e disperso
existindo apenas para divertir
e confundir
o ir e o vir
de cada pé
que, sem fé
não vai a lugar nenhum
sabe como é, né?
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